segunda-feira, 5 de abril de 2010

O Conto de Carolina - Parte II

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Carolina encarou seu algoz, ele parecia ter a mesma idade de seu marido. Era grisalho, de cabelos curtos, rentes a cabeça, olhos claros. Usava um óculos bifocal de armação grossa e com aspecto antigo, e vestia um suéter de meia estação, de cor cinza-claro. Um homem que, em outras circunstâncias, poderia parecer até atraente. Seus olhos eram vazios de alegria ou tristeza, e ele estava de mãos vazias.
- Por favor, sente-se. - pediu gentilmente o homem. - Meu nome é Afonso. Não precisa dizer o seu, eu a conheço muito bem Carol, melhor do que você imagina. Não vai se sentar?
Contrariando seus músculos e seu corpo cheio de adrenalina, ela sentou-se à mesa que se interpunha entre os dois, a mesa redonda da cozinha. Era a única coisa que os separava naquele momento. Ela ainda segurava a faca em sua mão, e a segurava tão firme que fazia a carne de sua mão empalidecer ainda mais.
- O q-q-quê...
- O que eu estou fazendo aqui? Ora, Carolina, presumo então que você já tenha deduzido quem eu sou? Bem, você nem faz ideia de quem eu sou, mas sabe o que fiz no passado. Sabe que fui eu, e isso já é alguma coisa.
Carolina foi invadida por um sentimento louco de enfiar sua faca no coração daquele homem. A adrenalina inundava seu corpo, deixando todos os sentimentos à flor da pele. Se aquela mesa não existisse, nada a impediria de enfiar cada centímetro de aço que conseguisse em seu peito. Mas ela estava sentada do outro lado da mesa, há pouco mais de um metro de distancia. E ele continuava falando.
- Não foi difícil te localizar depois que queimei a casa. Na verdade, você estava em toda a mídia. O problema mesmo foi a caça às bruxas promovida pela polícia depois dos... vamos dizer... acontecimentos.
“Eu era jovem na época, tinha apenas dezessete anos, e isso era um ponto a meu favor. Primeiro porque no Brasil só se vai pra cadeia quem é de maior, e segundo porque atribuíram o meu crime a alguém com experiência. Realmente sempre subestimaram os jovens nesse país. Você já tinha reparado nisso?”
Cada palavra proferida por aquele demônio em forma de gente era como uma lâmina a penetrar na alma de Carolina. Doía ver como aquele verme era capaz de ficar sentado ali, calmamente agindo como se nada tivesse acontecido. Como se o seu único erro fosse algo semelhante a roubar uma barra de chocolate no supermercado. Ele era um psicopata, um animal sem sentimentos, um demônio.
Carol viu a si mesma pulando por cima da mesa, a faca em punho, partindo para cima dele. Com dificuldade, usando as duas mãos, conseguiu enfiar a faca em seu peito, e então não havia mais resistência. A faca movia-se sozinha em sua mão, levantando jatos de sangue cada vez que saía da carne dele. Como um maestro comandando uma orquestra sinfônica, ela repetia o movimento tão violentamente, com tanta força, que seu braço começava a doer. Mas não perdia a força. Era a fúria divina manifestada em seu corpo. A adrenalina pura. O sangue quente que jorrava do corpo do animal era como um novo batismo. Era libertador. Misturando-se às suas lágrimas, misturando-se ao seu próprio sangue, o sangue de muitas feridas abertas há muitos anos, que nunca conseguiram cicatrizar. Era a justiça. Era o clamor de dezessete almas impulsionando sua mão. Era o que ela sempre tinha desejado no fundo de sua alma atormentada, tudo o que ela sempre quis. Só que melhor...
Mas era apenas a sua imaginação, ela permanecia sentada, exatamente como ele mandara.
O canalha não parava de falar. Quanto mais ele falava, mais o sangue de Carolina fervia. Por que ele falava tanto? Por que não fazia o que tinha vindo fazer de uma vez por todas? O que ele pretendia, afinal?



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