terça-feira, 26 de julho de 2011

Tenório (Parte 3)



Tenório rodou o comércio de seu bairro comprando algumas coisas que julgava imprescindíveis para a concretização de seu plano fatal. Isso incluiu uma nova ida à farmácia para comprar uma caixa de Viagra - assim a performance estaria garantida. Comprou também uma cueca novinha em folha, daquelas ‘de perninha’ - como ele mesmo explicou à vendedora; queria estar bem apresentável na hora ‘H’. Lembrou de pegar flores quando já voltava para casa, assim causaria uma boa impressão em Ana.
Quando a hora foi se aproximando, ele tomou um banho demorado, como não tomava há algum tempo, e vestiu-se com uma roupa em que se achava mais atraente. O jeans era meio velho, mas era bem confortável e lhe caía bem. Escondeu cuidadosamente uma pílula de Viagra em um dos bolsos de sua calça, uma camisinha em outro bolso, e foi para a cozinha. Quando Ana tocou a campainha, Tenório já estava com quase tudo pronto.
- Olá Ana! Puxa, como você está linda!
Ana sorriu e foi entrando, dizendo que era gentileza dele e que ele também estava ótimo, e essas mentiras que as pessoas dizem para sentirem-se socialmente mais aceitas e não gerar desconforto aos outros.
A partir de agora era tudo com Tenório, e nada poderia sair errado. E ele tentava parecer o mais sexy e educado que podia. Olhava nos olhos dela enquanto falava, tentava parecer inteligente e engraçado, jogava algumas indiretas muito sutis e procurava prestar atenção a cada movimento de Ana, na tentativa de decifrar por aí se seu plano estava dando certo. E dava a impressão que estava tudo perfeito.
Jantaram. Até ali estava tudo correndo como o planejado. Foram para a sala de estar. Tenório colocou uma música suave no aparelho de som e sentou-se virado para Ana. Ela fez o mesmo - estava caindo - pensou Tenório. De acordo com o que ele havia estudado na internet, ela estava bem receptiva. Só cabia a ele a missão de não estragar tudo.
Tenório estranhava como as coisas pareciam estar estranhamente em seus lugares. Afinal, nada em sua vida havia sido fácil até ali. Era estranho. Pensou, então, no médico dizendo-lhe que teria sorte se chegasse a completar mais um ano de vida. Lembrou da sensação de nó na garganta, de frio na barriga, da revolta, das lágrimas. Lembrou de si mesmo dizendo ao médico que não queria passar o resto de sua vida em um hospital. Sorriu para si mesmo da sensação que havia sentido naquele dia. Lá, pela primeira vez, sentia uma vontade indescritível de viver... Ana pensou que o sorriso e os olhos brilhantes dele fossem para ela, e se entusiasmava ainda mais nas coisas que contava. Só que Tenório não fazia a menor ideia de sobre o que ela falava. Será que ela contava alguma coisa que tinha acontecido numa viagem, ou algo do tipo? Buscou rapidamente em sua mente o que deveria fazer para que ela pensasse que ele prestava atenção a tudo o que ela dizia - tinha lido alguma coisa sobre isso na internet.
- ... e aí ele caiu no chão! - Terminou Ana, e começou a rir. Ele começou a rir junto, dizendo:
- Ele caiu no chão! - Ele repetiu enquanto ria junto, e seu riso era puramente verdadeiro, genuíno.
Repetição. Para uma mulher não desconfiar que você não prestou atenção em nada do que ela disse, repita a última frase (ou as últimas palavras), e tente demonstrar alguma emoção enquanto falar. “Ufa, deu certo...”
Tenório, então, ouviu um barulho estranho, como se alguma coisa tivesse caído e rolado no chão. Parecia ser um brinco ou algo semelhante. Ana também pareceu perceber, pois passou a vasculhar o chão com os olhos enquanto tateava suas orelhas com as mãos.
Mas não era um brinco.
- O que é isso? - Perguntou Ana curiosa.
Tenório ficou instantaneamente vermelho. Ali, no chão, próximo ao seu pé de, um comprimidinho azul rolava pelo chão.
Era seu Viagra.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Tenório (Parte 2)



Tenório mudou-se. Mas não do verbo mudar-se e sim do verbo transformar-se. Simples assim: mudou-se. E, se o novo Tenório não tinha mais medo da morte, muito menos medo teria de levar um fora de uma mulher bonita. Foi então, em meio ao turbilhão de pensamentos que quase explodia sua cabeça, tentando entender a nova fase (final) de sua vida, que Ana lhe apareceu.
É bom deixar claro aqui que os dois já se conheciam de algum tempo. Talvez de uns dois ou três anos, na avaliação de Tenório, mas eles nunca tinham conversado muito. Ana era a mulher do tipo com que Tenório sonhava às vezes - especialmente quando acordava molhado - se é que vocês me entendem; e era por isso que ele não conversava muito com ela. Era uma espécie de medo. Medo bobo da mulher alta, carnuda, sexy. E morena. Ah, ela era areia demais para o caminhão dele, mesmo que ele fizesse duas ou três viagens. E tinha que ser morena...
Só que Tenório, depois de mudar-se, ficou realmente diferente. E o novo e semijovem (em estado de jovem) Tenório não titubeou, chegou junto. Ana estranhou um pouco, mas por fim concordou em jantar com ele. Na casa dele.
Tenório preparou tudo para a noite fatal. Cada detalhe. Primeiro pesquisou na internet maneiras de levar uma mulher pra cama no primeiro encontro, depois fez uma listinha do que precisava e partiu para as compras. Como precisava de camisinhas, já que as que tinha deviam estar vencidas, o primeiro lugar em que parou o carro foi numa farmácia.
- Do que o senhor precisa? - Perguntou a linda moça que o atendeu logo na entrada.
- Eu preciso de camisinhas.
- Pois não, qual o senhor deseja? - Perguntou ela, apontando para um sem-número de marcas que tinha no balcão.
- Puxa, agora você me pegou... que tamanhos vocês tem?
- Elas costumam ter o mesmo comprimento...
- Não... que bitola? - Tenório cochichou a pergunta como se contasse um segredo.
- Bitola?
- É, que largura? - Explicou ele, enquanto desenhava algo parecido com a letra “c” com o indicador e o polegar, fazendo a moça corar de vergonha.
Gentilmente, ela explicou a Tenório que as camisinhas vendidas ali eram de tamanho único, e, quanto mais explicava, mais vermelha ela ficava. Tenório achou que seria melhor mudar de assunto.
- Vou levar esse pacote aqui mesmo. Gostaria também de um perfume para as partes íntimas!
- Como, senhor?
- É tipo um desodorante, só que é para usar no Zezinho! - Explicou ele, apontando o dedo para as partes baixas, por assim dizer.
Até ele sair da farmácia, o vermelhão no rosto da atendente ainda não tinha passado. Ele pensou que seria bom experimentar uma das camisinhas antes de usar pra valer. Precisava ter certeza de que iriam mesmo servir.

terça-feira, 12 de julho de 2011

Tenório (Parte 1)



Tenório era um cara comum, semijovem. Semijovem é alguém que já passou de jovem, mas ainda é quase jovem. Talvez ele se enquadrasse mais como um homem semijovem em estado de jovem, e isso era extremamente incomum, para não dizer único. Não é que ser um homem jovem, ou semijovem (em estado de jovem) seja incomum, mas é incomum ver jovens (ou semijovens (em estado de jovens)) com o nome Tenório. E Tenório ia morrer. Não apenas morrer, mas ele ia morrer logo. E ainda por cima era um cara feio. Não no sentido de não ser bonito, era feio mesmo. Algumas mulheres achavam que ele era “mais feio que encoxar a avó no tanque e chamar o avô de corno”; porém outras já achavam ele era um cara comível. Feio, mas comível, porque era simpático - o que agrada a muitas mulheres. Já Tenório, é claro, nem desconfiava que pudesse ser do gosto de algumas mulheres, pois, se desconfiasse que elas o achavam comível, ele é que iria querer comer todas elas. Mas o caso é que ele realmente ia morrer logo. Pelo que o médico lhe havia dito, não ia durar muito tempo não. Provavelmente não passaria de um ano. Só que ele duraria bem menos de um ano, mas nunca poderia imaginar que seria tão pouco. E nós nunca imaginávamos que tão pouco tempo de vida lhe renderia tantas histórias. Até hoje, muito tempo depois que ele se foi, há quem conte suas peripécias mundo afora. E, analisando tudo o que aconteceu desde as más notícias do médico até o fim da vida, que chegamos à conclusão de que a notícia de que Tenório ia morrer foi o que o fez, enfim, viver. Tenório, após saber de sua própria morte, simplesmente mudou-se.

Espelhos (mais uma...)


"Todos precisamos de espelhos para lembrar quem somos...


... eu não sou diferente." 

[do filme Amnésia (Memento)]