quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

Sobre espelhos, armários e buracos negros


Há uns anos, quem quisesse saber sobre mim poderia fazê-lo apenas lendo este blog. Bem, nem tanto, talvez, pois havia (e ainda há, muahahaha) aquele armário de canto, com as portas bem fechadas, onde a luz não penetra e os monstros se escondem. E, volta e meia, quando é frio e escuro, eles se permitem uma volta ou outra, e raramente são avistados. Porém, se você vê-los, pode ser que se assuste um pouco, ou nem tão pouco assim. Eu sei disso porque já vi acontecer. Já vi algumas pessoas experimentarem algumas sensações bem desagradáveis. Medo. Raiva. Tristeza.

Porém, pensando bem, talvez não seja um armário, e talvez não sejam monstros, mas um buraco negro, de onde nem a luz escape. Um buraco negro formado pela sobreposição de múltiplos eus.

Você tem cinco anos e está chorando na frente de um espelho. Você está se achando um inútil (MAS, PELO AMOR DE DEUS, QUE UTILIDADE PODERIA TER UMA CRIANÇA DE CINCO ANOS?), e as lágrimas não param de escorrer. Você fica ali, apenas encarando e decorando a forma como as lágrimas escorrem, como as rugas se formam por todas as partes do rosto, desfigurando a boca, a testa, os olhos. Ou será que é apenas a forma como você vê, através da lente das lágrimas nos seus olhos? Difícil precisar. Você apenas fica ali, chorando, até as lágrimas terminarem. Então enxuga o rosto, levanta-se, busca sua bola ou outro brinquedo qualquer (ou nada, como muitas vezes já fez), e corre para o pátio. Você vai brincar porque é só isso que as crianças sabem ou deveriam saber fazer. Você se foi, mas o espelho permaneceu ali, e, dentro dele, algo ficou gravado. É como se naquele espelho um pedaço da sua alma, a alma de um momento que nunca foi resolvido, ficasse impresso. E aquele pedaço de alma frio e desagradável fica ali, retido, aguardando por uma resolução que nunca virá. Pelo contrário - logo haverá outro pedaço de alma, de um momento qualquer, que será jogado sobre o fragmento anterior. Com o tempo, as fatias de momentos monocromáticos e desesperançados vão se sobrepondo, até que não mais é possível distingui-las uma das outras, pois que formam apenas uma massa negra e disforme. Demorou, mas finalmente você conseguiu criar seu próprio buraco negro particular.

Esse buraco negro não é bidimensional. Embora pareça, se você pudesse olhar de lado, veria um sem-número de momentos, acachapados, prensados uns sobre os outros.
Claro que não é um quadro bonito para se ter na sua sala de estar, não é mesmo? Então você esconde e torce para ninguém chegar tão perto a ponto de se machucar, porque o quadro é, na verdade, o armário dos monstros. O quadro vive, respira, age. Ele vive e pulsa.
E o quadro sou eu, embora eu não seja o quadro.

Assim, então, talvez eu não seja (ou assim não me considero, ao menos) raso pelo fato de ter tido que cavar muito fundo para sufocar essa parte da minha personalidade com a qual nunca consegui lidar direito, o que não significa, entretanto, que essa parte de mim não dite as ações aqui e ali, pois nos momentos de escuridão as sombras tendem a prevalecer. Ou talvez isso tudo não passe de um mal entendido de mim comigo mesmo. Ou, ainda, eu esteja mentindo, aqui, a respeito de tudo isso. Você nunca vai saber. Mesmo eu talvez nunca descubra, vai saber...
Porém uma coisa posso assegurar: quem quiser saber sobre mim não leia o que escrevo, porque não estou mais preso a estas linhas mal ditas.

Obs.: A 'Saga dos Espelhos' não termina por aqui, pode apostar seu cavalinho nisso.

terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Suicídio II

Estamos no fim de 2016, e já tem mais de cinco anos desde que escrevi sobre o que eu pensava sobre suicídio, em maio de 2011. Hoje, porém, não ouso reafirmar tudo o que escrevi, e vejo aquela opinião como de alguém com quem concordei um dia, mas que era simplista demais para ver o todo. Este eu atual, no entanto, não é tão simplista a ponto de deixar de reconhecer sua própria simploriedade (se é que essa palavra existe). Em múltiplos sentidos sou apenas mais um cara sem estudo; completamente ignorante a respeito do que me cerca. Agora é tempo de, reconhecendo isso, tentar entender um pouco melhor esse tema tão complexo, escrevendo mais uma série de besteiras ao respeito, como sempre foi do meu feitio (espero que poucas pessoas cheguem até aqui).
Em 2011 tratei do tema da maneira como o sentia na época. Por isso não recrimino quem pense daquela forma pois, em alguns casos, pode mesmo aquilo ser verdade. Ou seja, também não me recrimino por ter pensado daquela forma, nem por ter escrito daquele jeito - com com mais erros gramaticais do que gostaria. Lá eu afirmei de forma simplista e quase banal que o suicídio tratava-se de uma covardia. Sem me alongar demais requentando o que já escrevi, quero afirmar categoricamente que eu estava errado, e meu texto é quase um crime contra a gramática, contra quem já enfrentou dor de perder alguém dessa forma e contra quem já cogitou fortemente cometer o ato. Como estou nos dois últimos grupos, e acredito que consigo pensar um pouco diferente agora.
Agora acredito que a dor e a frustração de viver podem ser tão intensas que acabam destruindo o sentido da vida. Ou então a vida parece simplesmente ter chegado ao fim, enfim...
Mas a dor sim, a dor é o gatilho. É nisso que acredito agora. A insuportabilidade da dor e a falta de perspectiva de que as coisas melhorem é o que produz o resultado fatal. Primeiro o coração morre, e aí tudo vai perdendo o sentido. Sim, porque sem amor, sem coração, não há sentido para nada. A consequencia óbvia é interromper a própria vida. "Mas e os que ficam?" Bem, os que ficam ficarão bem - é o que pensa quem está partindo. Quem fica sempre fica bem. E vai chorar um pouco, é normal, mas com o tempo passa - o tempo cura tudo.
O tempo cura...
Sim, talvez se quem partiu tivesse conseguido esperar um pouco mais, o tempo tivesse tido tempo de fazer aquilo que o tempo faz tão bem.
O tempo. O tempo e a esperança, não do verbo esperançar, mas do verbo esperar mesmo. Porque se as pessoas esperassem, o tempo teria tempo.
É tão duro pensar que tudo poderia ter sido diferente se o tempo tivesse tido tempo. 
E a vontade que fica é de voltar no tempo para dar mais tempo ao tempo. 
E desculpe soar repetitivo, sou meio monótono em termos. Falo muito sem dizer nada. Triste...