Eu te odeio. E te odeio por duas razões muito simples: a primeira não lembro, e a segunda é que você é diferente de mim. Esse teu jeito de não-eu me cansa. Você pensa diferente, age diferente, gosta de coisas diferentes, e isso é simplesmente horrível. O mundo seria um lugar melhor se todos fossem como eu. Você seria uma pessoa melhor se pensasse como eu, e agisse assim. Veja bem, não estou dizendo que o seu jeito é ruim, apenas que o meu jeito é o certo, e fazer as coisas como eu faço é melhor, sempre. Imagine que mundo perfeito: todos teriam a minha religião e o meu gosto partidário. Gostariam apenas das comidas que eu gosto e assistiriam apenas os programas de TV que eu acho que são divertidos. Todas as pessoas da face da terra seriam gremistas e heterossexuais. Não seria exatamente belos, mas também não seria feios. Não seria magros, mas também não seriam obesos. E nem precisaríamos conversar, pois todos teriam a mesma opinião que eu, o que economizaria muito trabalho. Já pensou que maravilha?
Não haveria brigas e discussões inúteis, porque todos, assim como eu, estariam certos sempre, e a verdade absoluta existiria e aconteceria! Todos iriam querer ter olhos claros, mesmo tendo-os castanhos. Todos dormiriam pouco. Ninguém odiaria dias nublados, nem futebol na televisão. As pessoas não gostariam muito de leite e seus derivados, e gostariam de comidas com muita cebola, alho e um toque de pimenta. Ah, e de café, muito café...
Todos seriam gaúchos também, e, por isso, melhores que todos os outros. Mas, se todos fossem iguais, como uns se achariam melhores que outros? Ah, também, não precisamos pensar em todos os detalhes...
No mundo perfeito, todos seriam iguais a mim, e você seria melhor. Melhor por ser como eu. E aí eu poderia gostar de você, e nossa coexistência seria fácil. Mas porque você insiste em ser diferente? Por que insiste em ser pior? Em ser não-eu?
Imagine o mundo que desenhei para nós! Seria o fim da diversidade! O fim do racismo! O fim da intolerância religiosa! O fim do terrorismo! O fim das guerras! O fim de tantas coisas!...
É... Realmente, poderia ser o fim de tudo...
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Agora, falando sério, o pior mesmo é que há muita gente que pensa assim. Me fez lembrar aquela canção romântica que diz “... existiria a verdade, verdade que ninguém vê, se todos fossem no mundo iguais a você...”. Se todos fossem, no mundo, iguais a mim, seria o fim de tudo. Tudo o que temos consiste em diferenças. Você sabe o que é ser magro porque é diferente de ser gordo. Você sabe o que é ser rico porque é diferente de ser pobre. Você sabe que o azul é azul porque há muitas outras cores, e todas elas são diferentes. Mas só sabe que é azul porque alguém te disse que era, e você acreditou. E você sabe o que é ser tantas coisas, sem nunca ter sido nada. É estranho. Mas tudo o que pensamos saber a respeito do mundo talvez não seja bem assim. Você sabe o que é ser bonito ou feio? Não há um padrão para isso. Alguém vindo da Feiolândia, onde não há TV ou mídia impressa, pode achar as pessoas da Lindolândia muito feias. E elas estariam erradas?
Nós não fomos tecidos em um padrão único, como um bolo em uma forma. Ou um copo onde se coloca água. Mas a verdade é que acabamos agindo como se tivéssemos sido, e nos conformamos. Literalmente conformamos. Ficamos do formato da forma ou do copo, e isso é tão fácil! O difícil mesmo é transbordar, ou seja, transpor as bordas que nos aprisionam dentro de algo que nem podemos ter certeza se é bom ou ruim. E, mesmo não sendo bom ou ruim, porque nada é absoluto, poderia ser sempre melhor. Bastaria para isso que saíssemos de nossos copos e nos misturássemos a outras águas. Ah, sim, isso seria muito refrescante! Até porque a água parada prolifera toda a sorte de vermes e impurezas.
Enfim, eu poderia ficar horas escrevendo sobre esses assuntos, mas prefiro não me estender muito. Até porque duvido que alguém lerá tudo até o fim. Ou não, já me disseram em um comentário, num outro post desse mesmo veículo internético, que alguém sempre lê. Veremos...