Fazer uma tatuagem nunca me pareceu uma coisa muito complicada, e de fato acho que não é. Bem, de fato acabou não sendo. Mas era uma das coisas que eu nunca pensei que fosse fazer, e isso muda tudo. Não pela dor, mas era uma coisa que eu às vezes achava legal nos outros, e só. Com o tempo, fui começando a me sentir atraído e tentado a ter uma também, mas não achava que fosse encontrar algo que pudesse me retratar. Pensava sempre que depois de muito procurar, não encontraria nada e acabaria desistindo; afinal, sou um cara enjoado, pra não dizer nojento. A cidade de Crissiumal também não conta com tatuadores, o que era um desconvite para uma atitude. Foi aí que apareceu o Marcão.
O Marcão é um cara de Porto Alegre, que tatua a mais ou menos uns treze anos, e, por ter parentes aqui, ao menos uma vez por ano vem para cá. Essas vindas dele sempre acabam com muita gente da cidade sendo tatuada, e, desta última vez que ele veio, eu decidi ser uma delas. Creio que este seja o ponto chave da questão: não a dor, o desenho ou o lugar do corpo onde a minha pele seria molestada, mas a decisão. E eu estava decidido a passar por isso. Feito isso, bastava todo o resto.
Eu confesso que quando me imaginava sendo tatuado o nível de adrenalina se alterava, e eu tinha medo, mas, de certa forma, a adrenalina pode ser uma droga muito poderosa. Esta talvez seja a explicação de porque muita gente repete a dose.
O fato é que alguém me disse que aquele era o último dia do tatuador na cidade, e eu tinha de agir. É agora ou nunca. Agendei um horário para a noite, e compareci no horário marcado. Quando conheci o Marcão, não me surpreendi em nada. A mim parecia o estereótipo do tatuador: um cara grande (ele poderia ser facilmente confundido com uma porta), cabelo comprido, corpo coberto de tatuagens. Conversamos um pouco, e isso de certa forma me acalmou . Quando eu pensava em um motivo interessante para cobrir a pele, não tinha nenhuma idéia, só sabia que não queria tribal, e sim algo que pudesse dizer alguma coisa sobre mim. Procurei, procurei e acabei escolhendo uma tribal. Tribal seria mais fácil porque se não ficasse da forma ou jeito que eu quisesse, poderia mudá-la mais tarde, ou aumentá-la, com mais facilidade. Para minha surpresa, com a ajuda do Marcão, escolhi com muita facilidade. Depois disso, o resto era fácil; era só suportar a dor, e colher os resultados. No fim, quase me arrependi do desenho, acho que devia ter quase uns trinta centímetros, o suficiente para preencher a parte exterior do bíceps da altura do ombro até quase meu cotovelo, mas segui em frente. Tudo preparado, agulhas a postos, veio o som... O tilintar daquela agulha no rotor podia ser comparado com uma broca de um dentista. Não que os sons sejam semelhantes, mas a sensação é semelhante ao que muita gente descreve quando escuta a broca entrar em ação: medo. É claro que o dentista já usou a broca em mim, mas eu sempre fui muito tranquilo com relação a isso, porque nunca senti dor. Já a maquininha do Marcão me fez tremer só com o barulho. Uns quinze relatos de pessoas que disseram quase não suportar a dor passaram pela minha mente; e então eu pensei no resultado, naquilo que eu queria, e senti que sorria... Até que ele começou a abrir caminho com aquilo pela minha pele. Meu rosto se contorceu involuntariamente, revelando todos os meus dentes, mas eu agüentei firme, até que a dor se tornou perfeitamente suportável. Aproveitei cada minuto da dor que aquela agulha me proporcionou, e entendi naquilo um pouco de liberdade... É, talvez eu seja mesmo meio maluco, ou mesmo completamente louco, mas ultrapassar esta barreira e ir um pouco mais além de minha zona de conforto me fez sentir muito bem. Agora, cada centímetro da tatuagem de um dia de vida arde como uma queimadura, e estou muito feliz com isso. É algo que recomendaria a qualquer um, com toda a certeza...
Obs: A imagem é meramente ilustrativa.